Hoje, quase três séculos após o Iluminismo, os Estados ficaram mais e mais organizados, burocráticos. As fronteiras e suas leis, mais estritas: sistemas computadorizados monitoram as entradas e saídas, estatísticas retratam a vida nas cidades, o cotidiano é reportado para uma rede online que melhora seu registro, que segue as trilhas das pessoas, que articula seus dados. O mesmo vale para o corpo, escaneado e medido em detalhes. Ingestão, inspiração, transmissões. Finalmente, também a fala se torna informação categorizada. Cada conversa é registrada, com interesse potencial.
Mas a mudança dos tempos não está nessa intensificação dos recursos que nos tornou hipermodernos. O grande salto está em assumir que os controles produzem dados sem sentido.
No corpo, os detalhados registros fazem os médicos darem opiniões contraditórias. Não sabemos se matamos as bactérias com sabão, ou deixamos reforçar a imunologia. Se poluímos água lavando copos, ou usamos os descartáveis plásticos. Se aprimoramos a genética até a eugenia, ou se mantemos a variedade recomendada por Darwin. Perdemos a possibilidade de falar em um instinto de preservação do indivíduo ou da espécie. Há dados demais para sabermos para que lado está o progresso, para que lado a extinção.
No mercado, a população bem conhecida pelo uso da internet não constitui classes, grupos de comportamento ou clusters. O senso de normal começa a nos escapar.
Nas fronteiras, a imigração que empobrece as ruas e sobrecarrega os serviços públicos é também a única fonte de trabalho e intercâmbio cultural para o futuro.
Não sabemos quais portas abrir e quais fechar.
A potência do Iluminismo nos trouxe ao escuro.
Nesse contexto, cresce uma geração que já não pode acreditar na velha escola, no velho Estado, na política central. As lições são colaborativas: Wikipédia. A imprensa é o facebook. A capital do país é a sua casa. Dali partem as ações sociais, de saúde, educação, sustentabilidade.
Estamos diante de uma geração que renuncia a saber o certo na orientação sexual, na raça, no trabalho – jovens tolerantes, que aceitam a variedade, sem hierarquizar os elementos do mundo. Jovens que abrem seus quartos para estrangeiros, que amam as viagens e as línguas mais diversas, que expõem seus corpos ao extremo do risco nos esportes radicais, em um novo encontro da natureza e da finitude.
Uma geração que só não é anti-moderna porque não pensa pela lógica do antagonismo.
Jovens que vêem o mundo como um mesmo barco, e que usarão toda a História, as tradições, as culturas, para construir seu futuro mais rico.
Unidos por uma maior questão, a extinção, essa geração precisará redesenhar toda a performance humana - em um mundo onde parecemos sofrer da possibilidade. Onde a responsabilidade está na escolha.
Que luz trazem as gerações atuais ao nosso senso de nações e fronteiras? Como, com seu mapa-mundi permeável, de contatos irrestritos, os jovens farão a arte e o design do nosso futuro?
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